sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Os encantos e os desencantos na obra de Manuel Rui


Luís Mascarenhas Gaivão, antigo adido cultural de Portugal em Angola, autor de um novo estudo sobre Manuel Rui, aponta o escritor angolano como uma figura universal com uma obra que vai além de todas as "fronteiras".

"Eu considero que Manuel Rui é um escritor que ultrapassa as fronteiras de Angola e as de África. É um grande escritor com recursos estilísticos e literários e de análise social muito profundos", disse à Lusa Luís Mascarenhas Gaivão, autor do livro "Manuel Rui: Percursos transculturais na obra do escritor".

Manuel Rui, 72 anos, natural do Huambo (antiga Nova Lisboa), formado em Direito pela Universidade de Coimbra, cidade onde colaborou na revista Vértice, regressou a Angola após 1974, tendo ocupado o cargo de ministro da Informação do MPLA no Governo de transição.

Foi o primeiro representante de Angola junto da Organização da Unidade Africana e, mais tarde, director do Departamento de Orientação Revolucionária e do Departamento dos Assuntos Estrangeiros do MPLA.

Membro fundador da União dos Escritores Angolanos, Manuel Rui é autor do Hino Nacional de Angola e da versão angolana da "Internacional", mas, a partir dos anos 1980, destaca-se através da obra literária "Quem me dera ser onda" (1982). É autor de títulos como "Crónica de um Mujimbo" (1989), "Rio Seco" (1997) e "Travessia por Imagem" (2012), entre outros.

"Manuel Rui tem uma escrita profunda naquilo que quer dizer mas com uma leveza da escrita, incorporando termos 'bantulizados' da língua portuguesa e utilizando a oratura com maior frequência do que qualquer outro escritor angolano. Tem uma linguagem muito fresca, muito viva, extraordinariamente conseguida e que relata socialmente todos os problemas que o país atravessa com um sentido crítico profundíssimo, uma ironia que é difícil encontrar", referiu Mascarenhas Galvão, que, no livro, sublinha os momentos de desencanto sobre o próprio regime.

"Corrupção, violência, diferenças sociais -- outros temas tratados nas bocas dos personagens de Manuel Rui. É calamitosa a situação do país pelo que procede, igualmente, à sua denúncia. Fá-lo sobretudo nas obras mais recentes, onde este fenómeno atinge proporções desmesuradas (...) E diz o inconfessável em tom de desabafo triste, 'Quem me dera ser corrupto. Às vezes dá-me vontade para poder ser pessoa" (página 104).

"Em 1982, com o processo de independência, as crises gravíssimas que Angola atravessou no período socialista e a não incorporação da ideologia pelo povo que, de facto, foi avesso à incorporação das ideologias, criticou primeiro com esse livro 'Quem me dera ser onda', que para mim é uma obra-prima de toda a humanidade, em que critica a evolução da revolução falsamente adoptada pela população. Só na periferia e só por palavras. É talvez o livro mais conhecido de toda a literatura angolana e que projetou Manuel Rui para o mundo, saindo das fronteiras de Angola", declarou o autor.

Para Mascarenhas Galvão, Manuel Rui tem procurado - sempre com sentido crítico - escrever sobre os abusos, sobre os costumes, sobre a vida difícil que o povo enfrentou com guerras que duraram muitas décadas.

"Ele tem desencanto? Tem. Porque todo o sonho de uma personalidade como Manuel Rui, como de todos os outros combatentes que lutaram pela independência, foi para fazerem um país que infelizmente não é aquilo que eles estão a ver agora", afirmou, sublinhando que a obra de Manuel Rui é, à semelhança do trabalho do escritor Pepetela, marcante para a história contemporânea do país.

"Manuel Rui, tal como Pepetela, são escritores que começaram a escrever ainda antes da independência -- no período anticolonial e da guerra -- e depois acompanharam a independência. Tiveram lugares proeminentes no novo país e viveram sempre lá e, portanto, relatam nos seus romances essa história de Angola que é uma história complicada, com guerras, sucessivos episódios e que há pouco mais de dez anos está à procura de se encontrar, na paz", conclui o autor, que critica a falta de divulgação de escritores africanos de língua portuguesa e dos aspetos "arrogantes" da lusofonia.

"Esta questão da lusofonia é tratada de forma arrogante da parte do Brasil e da parte de Portugal, porque estão sempre com a lusofonia na boca e 'que os africanos são isto e são aquilo' mas no fundo são eles, portugueses e brasileiros, que mandam nisto e não sabem que o mundo é de todos e de todos em parte igual. Eu não quero chamar-lhe neocolonialismo intelectual, mas às vezes é isso", criticou o antigo adido cultural de Portugal em Luanda (1996-2001).


O livro "Manuel Rui: Percursos transculturais na obra do escritor" (Edição da União dos Escritores Angolanos, 132 páginas) foi apresentado em Luanda e vai ser lançado em breve em Portugal.

in O SOL de 25.10.2013

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