quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O meu regresso à Tchipipa


Ao regressar à Tchipipa, 17 anos depois da minha primeira deslocação àquela localidade, vieram-me à memória imagens que marcaram a história recente de Angola.

Pequena localidade situada entre a cidade do Huambo e a vila do Bailundo, Tchipipa acolheu o primeiro encontro das chefias militares das forças do Governo e da UNITA, no quadro da execução do fracassado Protocolo de Lusaka.


Estávamos no ano de 1995 e a paz definitiva parecia possível naquela altura. A delegação das forças governamentais, encabeçada pelo general João de Matos, então chefe do Estado- Maior General das FAA, partiu do Huambo, onde tinha chegado na noite anterior, saída de Luanda. A da UNITA, chefiada pelo falecido general Arlindo Chenda Pena (Ben-Ben), à época o mais alto responsável da hierarquia militar do ex-movimento rebelde, partiu do Bailundo, seu antigo bastião.


Com a precisão de um relógio suíço, as duas delegações chegaram ao local do encontro, em coluna automóvel, à mesma hora, não se atrasando um minuto sequer, o que levou um colega da Angop, Rodrigues Tandala, a fazer o seguinte comentário:as comunicações funcionaram”.

O chefe da missão militar das Nações Unidas em Angola, o general nigeriano Chris Garuba, que mediou o encontro, quis que assim fosse, para evitar desconfianças, já que se vivia em Angola um ambiente de permanente suspeição. Vários jornalistas fizeram a cobertura do encontro.


Lembro-me de nomes como Aguiar dos Santos, à época correspondente da TSF, Gustavo Costa, então correspondente do semanário português “O Expresso” e actual director do Novo Jornal, da Catarina Gago da Silva, delegada da Lusa em Angola, Josefa Lamberga, da mesma agência e da Rosa Inguane, da Agência Internacional Moçambicana (AIM). Outros, o tempo levou da memória.


Um episódio marcou a viagem entre o Huambo e a Tchipipa. Uma enfermeira da Cruz Vermelha de Angola, na Bomba Alta, deu por falta de uma caixa de medicamentos, que se encontrava na prateleira da farmácia. As suspeitas recaíram sobre os jornalistas, mas o autor do “sumiço” nunca foi encontrado.
No momento em que decorriam as conversações, Catarina Gago da Silva teve uma crise de malária, tendo sido transferida imediatamente para Luanda e posteriormente para Lisboa.



Consta que as sequelas da doença se mantêm até hoje. Para protecção dos seus dirigentes, foi decidido que cada delegação levasse à Tchipipa 20 homens das suas forças especiais. Com as armas em punho, numa autêntica demonstração de força, os militares de ambos os lados estavam posicionados frente a frente, com apenas 20 metros de distância a separá-los.


A disposição das forças era de tal ordem que criou um ambiente de tensão, o que levou o general Chris Garuba a orientar a retirada das forças para uma distância de cem metros do local do encontro.Viemos discutir a paz e não a guerra”, comentou, na ocasião, o chefe da missão militar da ONU.


Tchipipa fica 26 quilómetros a norte da cidade do Huambo, mas a viagem desde a capital da província pareceu uma eternidade, tendo em conta o mau estado da estrada. Existiam enormes buracos, uns provocados por rebentamentos de obuses de morteiros e pela acção dos tanques de guerra, outros pela degradação natural da via.


O velho camião que transportava os jornalistas baloiçava ao ritmo dos buracos e o risco de accionar uma mina era enorme. A viagem para o inferno, certamente era mais cómoda do que andar naquela estrada poeirenta.


Hoje, esta estrada já não apresenta a imagem do passado. É larga, está asfaltada e convida qualquer motorista a carregar no acelerador. Confesso que nesta viagem à província do Huambo, quase não reconheci a comuna da Tchipipa, não fosse um letreiro afixado num estabelecimento público com a designação da localidade.

Pedi ao Pinheiro, o motorista de serviço, para parar a viatura. Ao descer do carro, uma forte emoção apoderou-se de mim e pude então constatar muitas mudanças. De imediato, reconheci a capela onde decorreram as conversações militares. Foi das estruturas poupadas pela guerra. Com uma nova pintura, mantém a mesma cor de há 16 anos.


A poucos metros da capela foi erguida uma esquadra da Polícia Nacional e os escombros das casas cercadas pelo verde do capim deram lugar a novas habitações e infra-estruturas sociais. Na berma da estrada os produtos do campo estão expostos para venda e os rostos das pessoas já não carregam a tristeza do passado.
in Jornal de Angola de 20.12.2012

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